Todos iguais? Mas uns mais iguais que os outros. – Revolução dos Bichos

Para ouvir: Animals – Pink Floyd, álbum conceitual, inspirado no livro.

É novidade pra mim essa gente querendo ensinar a lição do The Wall para Roger Waters, mas já faz tempo que vejo gente tentando se apropriar da obra de George Orwell contra as lições que ele mesmo escreveu.

A Revolução dos Bichos

Este é o livro que me despertou o pensamento crítico, que me fez amadurecer as capacidades de interpretação, e que, por isso, até hoje tem status de ícone na minha prateleira. A Revolução dos Bichos seria o escolhido se eu tivesse que declarar qual meu livro preferido.

Infelizmente eu tenho visto, repetidamente, esta genial fábula política de George Orwell, ser usada de forma, no mínimo desinformada, geralmente desonesta, contra tudo aquilo que o próprio autor defendia.

A obra é uma clara crítica ao autoritarismo, militarismo e a manipulação em geral. E é facilmente identificada, através dos personagens e do contexto, como uma leitura do Stalinismo. Por este motivo muita gente tende a querer usá-la como um argumento anti-esquerda. O fato é que este não é o único livro de Orwell na minha prateleira (minha maravilhosa namorada teve por um bom tempo o que me dar de presente). Orwell foi um escritor, romancista, jornalista e ensaísta, militante autodeclarado de esquerda. Este é um fato ignorado por muitos, mas é claramente exposto no livro.

A fábula retrata uma fazenda onde os animais são explorados e se revoltam contra os homens. A partir disso, liderados pelos porcos, os animais desenvolvem e estruturam uma sociedade livre e igualitária onde todos animais são iguais. As dificuldades de estabelecer uma democracia, numa dependência de velhas estruturas, são usadas como artimanhas de um porcão chamado Napoleão, que aproveita-se da falta de senso crítico das ovelhas, da devoção cega do cavalo trabalhador, e de cães bem adestrados e raivosos para transformar a sociedade novamente em um local de exploração e desigualdade, onde afinal os bichos observam espantados sem saber distinguir “que porco é homem e que homem é porco”.

Toda fábula tem uma lição de moral. E frequentemente A Revolução dos Bichos é lida como uma lição contra a esquerda política. Mas não seria estupido imaginar que a lição da história de Orwell fosse: “Aprendemos que as pessoas não devem procurar a liberdade, que deviam aceitar a desigualdade e a exploração, submissos, já que todos são iguais” ?

A lição da obra é muito mais complexa: é uma fábula sobre a apropriação de uma revolta justa por um porco manipulador, autoritário que se diz o único capaz de pôr a fazenda dos animais nos eixos. Este porco faz os bichos aceitarem, por meio de mentiras repetidas a exaustão, a perda de seus direitos conquistados há tão pouco tempo, em nome de uma ameaça a liberdade. Ela nos ensina que a revolta é justa, mas que pode ser apropriada por líderes autocráticos que acabam transformando a sociedade naquilo que era antes.

Ela é sim uma crítica a esquerda, vinda da esquerda. Em nossa situação a gente pode ler ela como uma lição: a revolta do povo é justa, prometeram-se coisas que não foram cumpridas. As mudanças tinham que ter sido mais radicais talvez?! Nossos mecanismos democráticos são frágeis, eles tem que ter sido fortalecidos.

Mas a grande lição é clara: Em um país que saiu de uma ditadura militar há pouquíssimo tempo, e que luta para se organizar livre e democraticamente, com ideais de igualdade, que avança aos poucos. É fácil sacar quem é o porcão autoritário que manipula os bichos para que estes colaborem com o retorno à uma ditadura.

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